Opinião

“Patagónia Express” de Luís Sepúlveda

Este é, sem dúvida, um dos livros mais especiais que alguma vez li. Não sei se é porque ainda há uma comoção no ar, devido ao recente falecimento do autor – a “postumicidade”, tal como a velhice, continua a ser um posto!. Também pode ter sido porque a Patagónia é o maior sonho da minha vida e ler o nome de vários sítios que já visitei através do meu computador é sentir no peito memórias visuais de emoções físicas que nunca experienciei – poucas imagens me tocam tanto quanto a imensidão de Perito Moreno. Num episódio de YouTube, de uma série sobre a viagem de um fotógrafo brasileiro aos Parques da Patagónia, Luíz Carlos Júnior, sobre o Lago General Carrera, ouvimos: “As melhores e mais inusitadas (fotografias) e histórias só podem ser achadas na fronteira do que não planejamos!.” A Patagónia é isso para mim,  caiu-me ao colo assim, inusitada, num artigo de jornal sobre os portugueses que decidiram emigrar para lá. Eu nem fazia ideia do que era a Patagónia, nunca me tinham ensinado na escola, ou se tinham, eu não estava a prestar atenção e, até àquele momento, a Geografia não era um interesse, muito menos a Geografia das Emoções. Mas, a partir desse momento, acho que comecei a viver, ainda que sem saber, à procura do dia em que colocaria uma mochila às costas e rumaria ao aeroporto para aterrar em Ushuaia, um pé na Terra do Fogo e outro pé no Gelo Antártico.

Luís Sepúlveda conta-nos histórias sobre as pessoas, a quem nós, do alto da nossa evolução, chamamos “simples”, que vivem no Fim do Mundo, uns porque sempre viveram, e outros porque ali foram parar – mas de onde nenhum deles já consegue sair. A minha visão da Patagónia é assim, um dos poucos sítios onde podemos aprender a viver em comunhão connosco e com o nosso entorno, regressar, avançando na nossa construção pessoal, à importância do básico, do essencial, do importante, que não são os nossos gadgets, uma ligação à internet ininterrupta, até quando dormimos e despertamos para olhar, ainda antes de abrir os olhos, para a nossa, idealizada, auto-estima e para o que nos prende e afasta, cada vez mais, de nós próprios, sem que nos consigamos aperceber – de tal forma a luminosidade dos ecrãs nos toldam a vida

“Patagónia Express” é aquele “handy book” que se leva para ler num trajecto mais longo, especialmente se for de comboio, não num alfa-pendular, mas aquelas viagens de comboio Regional, que, a cada apeadeiro, renova as histórias que transporta consigo – Parte da Linha 3, o comboio Regional com destino a Entroncamento.

As pessoas de quem nos fala Sepúlveda, de quem nos apresenta as mais belas (e inusitadas) histórias, nomeadamente as da Patagónia, são essas pessoas que podemos esperar num comboio regional, umas porque é o que podem pagar e que, embora desejassem chegar mais depressa, habituaram-se a essa sensação de dilatação do tempo e, ainda… que, quando dada a oportunidade de viajar num Alfa-Pendual, mesmo que seja em 2ª classe, sentir-se-ão sempre espantados e maravilhados com a magia da experiência – e essa sua memória ficará para sempre guardada, principalmente quando tornam a subir a plataforma do comboio regional, que se tornou o seu porto de abrigo! Depois há as pessoas que o preferem, também para fugir ao anonimato “snob” do AP, e porque a vida é já demasiado rápida, para não nos regozijarmos com uma, mesmo que paliativa, desaceleração do mundo à nossa volta.

Ler este livro é fazer essa viagem, mas fazê-la sem um livro na mão (o que contradiz aquilo que aconselho acima). Fechar os olhos e ouvir o burburinho das vidas que nos acompanham, não sabemos por quantas paragens – abri-los e descobrir que tudo se pode ter alterado, menos o lugar que ocupamos: ao nosso lado, um jovem agarrado ao telemóvel, quando antes estava uma senhora de meia idade a fazer palavras cruzadas e perceber que não preferimos uma companhia em detrimento de outra, porque cada vida são duas histórias, a que é, e a que imaginamos que seja.

 

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