“Dentro do Segredo” de José Luís Peixoto
“Dentro do Segredo – uma viagem à Coreia do Norte” de José Luís Peixoto – texto publicado na edição de Outubro de 2017 da Folha de Montemor.
Em Abril de 2012, pela altura das comemorações do 100º aniversário de Kim Il-sung, o Presidente Eterno falecido desde 1994, José Luís Peixoto estava na Coreia do Norte. À porta do país deixou o telemóvel e o passaporte e, escondido na mala, levou consigo um exemplar de “Dom Quixote de La Mancha”. Durante duas semanas o escritor visitou grandes cidades, museus e monumentos erigidos aos grandes líderes, mas também foi um dos primeiros turistas a visitar locais que não recebiam estrangeiros há mais de sessenta anos. Relatar uma viagem como esta, que exigiu a colaboração de um advogado para conseguir reverter uma declaração que o autor teve de assinar antes de entrar no país, comprometendo-se a “não publicar qualquer relato ou registo daquilo a que assistisse”, terá de ser sempre um exercício muito pessoal, “O secretismo e as enormes idiossincrasias desta sociedade fazem com que o olhar do visitante seja muito conduzido por aquilo que leu em livros antes de chegar.” Acompanhado por dois guias, a menina Kim e o senhor Kim, José Luís Peixoto contactou com o “país mais isolado do mundo.” E, em “Dentro do Segredo”, revela-nos o confronto da sua percepção com as narrações patrióticas dos seus guias, num país cujo governo decidiu adoptar o seu próprio calendário: 2012, ano Juche 100, “Como se o tempo tivesse começado com ele [Kim Il-sung].”
Ler este livro perante a situação política em que nos encontramos neste momento faz todo o sentido. Poder fazer esta viagem através da escrita de José Luís Peixoto torna-se um desafio à percepção, à consciência e à forma como idealizamos o mundo à nossa volta, principalmente aquele a que não temos acesso. Imaginemo-nos a entrar em sítios com nomes como: “Museu das Atrocidades Americanas” ou “Sala de Fortalecimento da Capacidade de Defesa Nacional depois da Guerra” parte do “Museu da Vitoriosa Guerra da Libertação da Pátria”. Imaginemo-nos a escutar músicas cujos títulos são: “Honrado, vivo ou morto, sempre a seguir o caminho revolucionário”, ou a aprender, através de um guia de conversação básico para turistas, frases como: “Pyongyang é limpa e bela e parece ter as melhores condições de habitação do mundo.” Imaginemos a sensação de poder visitar, num único país, mais de 5000 “Torres da Vida Eterna”, monumentos dedicados ao Eterno Presidente. José Luís Peixoto que, em plena Coreia do Norte, escreve um postal ao José Luís Peixoto que regressará da Coreia do Norte, não deixa de transformar um pouco de cada leitor desta sua obra até porque ele dançou “mais do que esperava” na Coreia do Norte.