Opinião

“Mirror Mirror” de Cara Delevigne

Este foi o primeiro YA que li, incitada pelo projecto Maratona Estações Literárias – Edição de Primavera. Encontrei-o numa pesquisa no website da Bertrand, pelo tema, e o que me despertou, além da maravilhosa arte da capa e do título, foi o nome da autora, Cara Delevigne, actriz e modelo britânica. Tenho, por hábito, duvidar de livros escritos por celebridades, mas este despertou-me muito a curiosidade e revelou-se uma óptima surpresa.

Mirror Mirror é o nome de uma banda de música, formada por 4 alunos do ensino secundário, que atravessam o livro ao longo dos seus 16 anos. Mas Mirror Mirror é também a imagem reflectida de todos os questionamentos que assolam os adolescentes durante os anos cruciais da formação da sua personalidade, do início da percepção do seu Eu.

A escrita é muito fluída, nunca se tornou aborrecido, até porque, decidi ler a versão inglesa, enquanto ouvia o audio-book, o que se tornou uma experiência extremamente gratificante. O discurso adaptou-se completamente ao que, a geração com mais de 35 anos, chama de contemporaneidade, mas que é a única visão da vida que a geração dos adolescentes e jovens adultos têm, uma vida que gira em torno das redes sociais. Foi o primeiro livro que eu, que não costumo encontrar no que leio, menções ao uso destas novas realidades tecnológicas e sociais, onde o seu uso não me desagradou, aliás, sem ele, o livro não seria tão completo, não só a nível da linguagem, mas também a nível do design do próprio livro, no qual recria as conversas “por imagens” cuja forma já todos nós, não apenas os jovens, se habituaram.

Este livro tem um pouco de tudo, incluindo laivos de suspense policial, mas o mais bonito é que não tem pretensão de nada que não seja chegar ao público para o qual foi escrito, na tentativa, não de lhes dar respostas, porque todos sabemos que, neste caminho, as respostas da voz da experiência de nada importam para estes jovens, mas sim, através de um processo de espelho em que todos eles se irão reflectir. No entanto, há uma grande resposta, sim! Que, para mim, foi uma das razões que me fez gostar tanto deste livro, talvez porque também o li numa altura em que a cultura e arte no nosso país estão, por um lado cada vez mais ameaçadas, mas por outro, estranha e contrariamente, a crescer e a implantar-se na sociedade com a importância vital que têm nas nossas vidas. Estes 4 Young Adults, cada um marginalizado dentro da comunidade escolar, quer por vontade própria, quer pelas circunstâncias das suas vidas, uniram-se por interposta vontade do professor de música que, num acto que me pareceu premeditado, decidiu dividir a turma em bandas, com o único propósito de os juntar, reconhecendo a necessidade e o talento que caracterizavam cada um destes adolescentes, sem que eles o soubessem ainda. E, o que foi, primeiramente um choque para cada um deles, revelou-se num laço de amizade, sim, por vezes questionável entre eles, da forma saudável como devem questionar, mas com base num amor que a música criou e desenvolveu. Mirror Mirror, o nome da banda que formaram, rapidamente se tornou um sucesso e estes miúdos, saíram de um anonimato marginalizado, para se tornarem quase exemplos de sucesso.

A história é partilhada através da voz de um deles, Red (alcunha que recebe devido aos seus cabelos ruivos) que nos narra a história do aparecimento do corpo moribundo de Naomi, cerca de 8 meses depois do seu desaparecimento, que, toda a gente à sua volta considerava ter sido mais um acto de rebeldia, família incluída, do que um caso de polícia. Mas estes amigos, na voz de Red, sabem que, apesar de não ter sido a primeira fuga de Naiomi, esta não foi uma fuga para chamar a atenção e que, as marcas do corpo que, ao longo de toda a história, jaz em coma induzido na cama do hospital, não foi uma tentativa de suicídio falhada, não foi um “cry for help”, porque toda a ajuda de que Naiomi (tal como Red, Rose e Leo) precisava, encontrou em Mirror Mirror.

A história pela busca da verdade do que aconteceu à jovem, que se torna a narrativa principal, questiona, não só a relação entre eles, mas também a relação entre cada um deles com a sua família e, também, com a família uns dos outros. “Será que os nossos pais alguma vez nos conhecem verdadeiramente?” é um dos grandes questionamentos que Red coloca ao longo desta procura pela verdade dos acontecimentos e, em última análise, pela busca da sua própria verdade, que se nos revela de uma forma extremamente bonita, tocante e inesperada.

Sendo assim, Mirror Mirror, é um livro que aconselho imenso, não só aos jovens, mas acima de tudo, a todos os pais de filhos adolescentes que, não sendo o meu caso, nem se antevendo essa possibilidade nas próximas duas décadas, consigo reconhecer essencial, dada a minha experiência de filha adolescente que passou por tantos destes questionamentos, tantas vezes sozinha, facto crucial para me ter feito gostar bastante do livro. Talvez que, quem não tenha passado por este tipo de experiências e por este tipo de procura (porque passou por outros…) não o consiga apreciar da mesma forma.

Outra questão importante para ter gostado do livro, foi esse mesmo facto de como todas estas buscas pela sua identidade, se tornam a base que sustenta o enredo principal: a procura pelo que aconteceu a Naiomi, e eu gosto muito de livros que sobrevivem e que ficam para além do seu enredo.

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