A Angústia de um leitor que não lê
Quem gosta muito de ler, tem sempre o desejo de ter uma biblioteca maior do que a sua casa consegue guardar. Cada vez que encontro alguém que queira mudar de casa penso sempre para comigo: “A biblioteca daquela pessoa já não cabe na casa onde vive” – mentira, não penso em nada, não me interessam, nem quero saber da vida dos outros, mas achei que, por propósitos literários, esta frase ficava bem no contexto do que estou (a tentar) escrever.
E o que é que eu estou a tentar escrever? Pois, vamos a isso. Estou aqui para tentar pensar, e partilhar, um pouco dos tsundokus comuns a todos os que gostam de ler e, principalmente, da pressão que senti (que talvez mais alguém partilhe), quando cheguei a este mundo dos “influencers livrólicos”, de “ler muitos livros”. Confesso que sou, como já referi diversas vezes, uma leitora completamente desregulada, como se as minhas hormonas comandassem, mais que o meu relógio biológico, o ímpeto de ler. Por isso, posso dizer que leio por fases e, claro está, de forma obsessiva – ou leio muito, ou leio muito pouco, ou quase nada- a minha vida parece não encontrar meios termos. Não tinha um animal de estimação e rapidamente passei a ter uma gata, dois cães e uma cabra. Vivo uma vida que, mais do que de 8 a 80, vai dos 0 ao 100 em 30 segundos, sou um carro desregulado, dirigido por um condutor, nem sempre, prudente. Coisa que vou tentando controlar mas com, cada vez menos, ansiedade. Na realidade sou incapaz de viver medianamente e é essa característica que me tem permitido ter uma biblioteca, relativamente, comedida.
Mas… voltando ao tópico… Como é que lidei, e lido ainda, com esta “Angústia de um leitor que parece que não lê”, e ainda, como é que esta angústia chega a mim? Muito simple: cada vez mais encontro à minha volta, pessoas que lêem entre 7 a 20 livros por mês, enquanto que eu demoro, por vezes, 2 meses a ler um livro de 300 páginas! Para a primeira pergunta, resposta, na realidade, percebo-o agora, depois de ouvir algumas pessoas falarem sobre o assunto, é, também ela, muito simples e tem várias ramificações:
o mais importante a considerar é o facto de, mais do que o tempo que cada pessoa dedica à leitura, os ritmos de cada um são diferentes, até porque, como sabemos, cada pessoa é um conjunto de todas as suas idiossincrasias. Eu tenho um ritmo bastante lento de leitura e aceitar o meu ritmo é o passo mais importante para viver tranquila, fora do pódio de “melhor leitor”.
Outra coisa que determina os bookhauls ao final do mês, é o tipo de livros que lemos. Sim, eu posso demorar dois meses a ler um livro de trezentas páginas e dois dias a ler a um livro de duzentas, ou mesmo quatro horas a ler um de cem. Cada livro tem, tal como cada leitor, o seu próprio ritmo bem como o seu peso ou ligeireza. O que considerei mais importante nesta luta pela amenização da ansiedade das leituras mensais foi, simplesmente, não medir os meses pela quantidade de livros que li, mas sim deixar que o tempo corra sobre os livros que leio, tal como Ricardo Reis aconselha Lídia a fazer com a sua vida, porque: “não vale a pena cansarmo-nos. Quer gozemos, / quer não gozemos, passamos como o rio. / Mais vale saber passar silenciosamente / E sem desassossegos grandes.”
Aquilo que quero dizer com a citação de Reis, não é que a vida corre, quer leiamos muito ou pouco, porque isso é um facto inquestionável. O que quero passar com este excerto (que é dos poucos poemas de Reis que aguento, confesso…) é que, mais do que ler muito, me interessa o que apreendo ao ler, o que em mim fica do que por mim passou. Na sequência deste pensamento, aceito que, para mim que não sou ninguém, é mais importante saborear bem um livro, pensar sobre ele, escrever sobre ele, do que ler muitos livros dos quais sou incapaz de guardar impressões importantes. Sim, eu prefiro escrever sobre livros, embora me tome muito mais tempo, apenas pela forma como, para mim, a expressão escrita me traz mais possibilidades de comunicar de forma criativa sobre os livros)
é claro que qualquer leitor quer ler muitos livros… eu, muitas vezes, não desejo ler um livro de quinhentas páginas em dois dias, desejo sim, um poder sobre-natural de lhes poder tocar e, em segundos, materializar, através de um micro-chip que transfere a informação para outro microchip que substitui a minha memória, aquilo que levo, por vezes, semanas a assimilar. Mas esse momento ainda não chegou ainda. E, ainda bem que não chegou. temos tempo para sermos, ainda, mais velozes do que os ponteiros do relógio, ou do que a sombra que o sol faz rodar à volta de um marco oblongo plantado no chão – esta observação foi só para tentar captar um público mais hipster.
São 11h47, comecei a escrever este artigo às 10h29. Não é muito tempo, é verdade, mas ele já estava delineado na minha cabeça há uns dias, e está relativamente diferente dessa idealização. É que as ideias que tinha para ele, à medida que o fui escrevendo, foram seguindo outros caminhos – outros ritmos, portanto – e, ao terceiro parágrafo, percebi que as minhas ideias teriam de respeitar dois artigos, ligados, mas diferentes. Outro factor importante é a quantidade de coisas que já fiz enquanto o escrevia: já dei comer à cabra e já a coloquei na rua, já varri o chão da sala e da entrada da casa, já andei, no quintal, à procura da pá (das obras, não do lixo…) porque a minha mãe precisava dela, tudo ao mesmo tempo que falava de coisas diferentes através de voices em chats virtuais diferentes. E assim é, também, o meu processo de leitura que, desta forma, se torna muito lento – enquanto leio, também faço tudo isto. E, para mim, isso torna a leitura mais rica e mais prazerosa, porque estas intermitências que, para muitos podem ser contra-produtivas, reitero, elas funcionam comigo!, criam espaço mental para estimular a criatividade – poderemos dizer que a leitura pode ser um comportamento criativo (lembrar de escrever um artigo sobre isso e, quando publicar, colocar o link aqui).
E é isto.. antes de começar a escrever aquilo que pensava que ia ser uma página e meia e que já vai nas três, nunca pensei em falar de relógios solares, da Lídia, e de ter ideias para mais dois artigos, pelo menos.
Então, qual é a conclusão que tiro daqui? Que nunca chego a conclusão nenhuma, porque cada vez que estou certa de que lá cheguei (já fui varrer novamente, porque me levantei para ir buscar um pacote de mortalhas para enrolar um cigarro – cujo ritual me faz ter de parar de escrever mais um pouco, embora não de pensar, porque já está automatizado – e, porque tenho porta e janela aberta e a ligeira corrente de ar faz os tufos de pêlos dos meus cães saírem da sua toca e transforma o chão da minha casa num autêntico farwest.)….
Mas onde é que eu ia? Ah, as conclusões: Nunca chego a conclusão nenhuma porque, de cada vez que estou certa de que lá cheguei, no processo da sua materialização, o que me acontece, é descobrir mais dúvidas. E isso, para mim, é um processo altamente criativo e que me torna a pessoa que sou. Mas, este é o meu método: um anti-método (termo que nunca me ocorreu usar), que resulta para mim: uma constante desorganização que me leva a um sem-fim de dúvidas, das quais materializo apenas uma parte.
Tal acontece com os livros que decido ler, que estão empilho e espalho pela casa: alguns deles sei que vou ler e outros, também sei que, embora os deseje ler nos próximos tempo, vão acabar de regressar para a estante de onde vieram (o que nem é mau, sempre desanuviam). São pilhas completamente voláteis, e dependentes que nem uma criança de dezoito anos nos dias de hoje, em relação à pessoa que se vai transformando a partir dos pensamentos que eles despoletam.
Post Scriptum: lembrar de escrever um texto sobre… bolas… juro que me esqueci… mas, se me lembrar, quando o fizer, vou colocá-lo aqui.