Neto de Moura, Bolsonaro e os #flatearthers: tudo o que uma civilização aprendeu e tudo o que uma civilização esqueceu.
Neto de Moura, Bolsonaro e os #flatearthers: tudo o que uma civilização aprendeu e tudo o que uma civilização esqueceu.
08 de Março. Dia Internacional da Mulher. É tempo de parar para pensar.
Dois acontecimentos históricos mais recentes que mais despertam a minha curiosidade são a Segunda Guerra Mundial e a Queima dos Sutiãs. A primeira porque me impressiona a forma como um homem, politicamente “bem” posicionado e “bem” aproveitado consegue convencer uma nação (e inclusive ver o seu pensamento replicado além fronteiras) de que o conceito de “raça perfeita” existe e dizimar milhares de pessoas em busca desse ideal. Já a Queima dos Sutiãs representa, para mim, a mais simbólica manifestação da liberdade da nossa história. Em 1968, em Atlantic City, quase meio milhar de activistas que lutavam pelos direitos das mulheres empilharam, para incendiar, todos os símbolos que faziam distinguir o seu género: sutiãs, maquilhagem, espartilhos, entre outros…
Neto de Moura, Bolsonaro, os #flatearthers e o perigo do fanatismo.
Na Universidade, entre muitas coisas que aprendi, há uma frase que me fica e que repito muitas vezes – além do tão crucial: “Não há almoços grátis” – “A maioria é uma besta cega.” – o que não deixa de ser curioso tendo em conta a natureza da minha formação.
Mas vamos aos #flatearthers. Os Flat Earthers são pessoas que pertencem a um culto (sim, um culto! É preciso chamar a coisa pelo nome) tão ou mais perigoso que a Cientologia. Neste culto, que reúne cada vez mais fanáticos pelo mundo todo, – atrevo-me a dizer que há mais Flat Earthers no mundo do que Vegans ou aficcionados – as pessoas acreditam que a Terra é plana e que a NASA é uma “soap opera” do Estado americano para encobrir a mentira da curvatura da Terra. Há uns dias vi na Netflix um documentário muito interessante e, ao mesmo tempo, assustador, “Behind the Curve”, sobre este culto – sim culto! O documentário analisa, do ponto de vista científico e psiquiátrico, as pessoas que fazem deste hashtag um modo de vida e o perigo que elas podem representar para a sociedade nos nossos dias. Para isso, psiquiatras, psicólogos, cientistas, físicos e astrofísicos juntam-se para nos elucidarem um pouco mais sobre o raciocínio humano. Cito uma das questões mais interessantes: “A diferença entre ser céptico quanto a algo e estar em negação é muito subtil mas muito importante. Alguém que é céptico está disposto a testar as suas hipóteses, as suas suposições, procura a verdade, mesmo que acabe por descobrir que está errado. (…) Começa no Ponto A. Depois há o processo de recolha de provas, de reflexão e chega à conclusão, ao Ponto B. A Ciência é a seta que liga os dois pontos, o processo para chegar a conclusões. Mas há outra forma de pensar que é começar pela conclusão e dizer: Tenho de obter provas de que é verdade. Esta forma de pensar, que é começar pela conclusão, não procura dados para tentar provar que está errado nem redefinir a sua posição. Tenta, sim, procurar todos os dados que provem que está certo. Faz uma selecção até obter provas que pareçam ser uma seta, uma seta lógica para o dogma.” E, na minha opinião, isto é muito interessante e levanta questões muito pertinentes sobre a forma como nos estruturamos como indivíduos nos dias que correm. “Qual o tipo de provas que o faria rever a sua posição?”
Mark Sargent, um dos mais importantes gurus deste movimento afirma que a Terra, uma planície gigantesca ,é circundada pelos enormes glaciares da Antártica e fechada por uma cúpula, como um dome – para quem viu o filme dos Simpson isto é muito fácil de visualizar, para quem não viu: Vá ver! É hilariante. E, sobreposta a esta teoria, apregoa ainda que a nossa existência é um grande reality show num mundo que é um plateau com o Governo nos bastidores, um Truman Show. O que, metaforicamente falando não está assim tão longe da verdade. Metaforicamente, Sr. Sargent, metaforicamente! Basta ver alguns episódios da série Black Mirror: “Hang the DJ”, “White Bear”, “Fifteen Million Merits”, “Rate Me” e “Men Against Fire” só para citar alguns. Se virmos a série com atenção e se pensarmos no avanço tecnológico dos últimos trinta anos, para não ir mais longe, é muito fácil perspectivar um futuro em que o ser humano se deixa dominar por absoluto pelos controladores de sistemas de Inteligência Artificial enquanto o Stephen Hawking dá voltas na sua campa – também metafóricas obviamente, todos sabemos que o Hawking não se consegue mexer sozinho!
Mas,afinal tudo isto para chegar onde? Claro! Neto de Mora, Bolsonaro e os #flatearthers: Oh gravidade, a quanto obrigas!
Numa sociedade que se quer distinguir pelo evolução no seu exponente máximo é curioso que ela mesma se apresente cada vez mais retrógrada. Mas talvez seja normal: depois de uma vida inteira a caminhar é normal que nos esqueçamos de como aprendemos as passadas. Não, não é! Todos os dias à nossa volta há crianças e animais que aprendem a andar. Da mesma forma que todos os dias, à nossa volta, ainda há minorias a serem discriminadas, ostracizadas e julgadas injustamente, milhões de mulheres vítimas de danos físicos e psicológicos, tanto em ambiente pessoal como em ambiente profissional. Ao contrário do que Patricia Steere, outra guru do movimento Terra Plana, afirma: “Eu só acredito que a bomba de Boston é real se me explodir uma perna.”, eu não preciso de ter vivido ao Holocausto para saber que ele existiu, quais as suas consequências e o perigo eminente de, politicamente, vivermos propícios a tornar a essa realidade.
No entanto sou mulher, por isso há algo nestas equações sobre o qual posso falar de experiência própria. Há algo com que eu me posso relacionar directamente no meu quotidiano de mulher solteira e sem filhos aos 36 anos. Esse algo chama-se preconceito ou, como eu gosto de lhe chamar, “o preconceito da besta cega”. Hoje, Dia Internacional da Mulher, todas as mulheres reivindicam, o seu lugar e os seus direitos, mas não reivindicam os meus, porque eu me recuso a hastear bandeiras que não sejam os meus valores. Reivindicam o tão protelado discurso do “coitadinha de mim que trabalho e ainda tenho de arrumar a casa e tratar dos meus filhos”. Pois, é uma decisão delas reclamar para si todas as tarefas domésticas sozinhas. Mas não é a minha! Da mesma forma que é uma decisão minha não acreditar que a Terra é Plana, foi uma decisão minha não estar casada e ter 2 cães e 1 gata ao invés de filhos. E pior que sentir a minha individualidade julgada por homens é vê-la julgada por outras mulheres que se julgam mais mulheres que eu por isso. Para mim isso não é ser feminista, para mim isso é acreditar que a Terra é plana quando todas as provas científicas de quase meio milénio indicam o contrário, que juízes como Neto de Moura deviam continuar a exercer qualquer tipo de função que impacte a vida de alguém (não só de mulheres…) e recusar ver que Bolsonaro, Trump, Maduro e Jong-Un são potenciais Hitlers em ascensão.
Queridas mulheres, essa bandeira não é a minha. Eu não carrego bandeira alguma! E, o facto de eu não pactuar com os vossos discursos não significa que não tenha outras batalhas que travar