A Veia da Minha Bílis,  Opinião

“Certas Coisas Que Não Sei Explicar” de João Quadros

O João Quadros não é um sociólogo, na medida em que não pretende teorizar política, económica, social nem psicologicamente sobre os problemas que apresenta. Como quem vai às compras, ou precisa de contratar um carpinteiro, Quadros, lista aquilo que, na faculdade, me ensinaram a chamar de “problemas sociais contemporâneos”, ou seja, problemas que dominam a sociedade que existe nos dias de hoje, fruto da evolução dos tempos.

 

Sempre no backstage, João Quadros assinou os guiões de uma grande parte dos programas humorísticos do nosso país, tais como “Os Contemporâneos” “Contra-Informação”, “O Último a Sair” ou “Herman Enciclopédia”. É ainda, o autor do lendário sketch “Eu é que sou o Presidente da Junta” de Herman José e do nome da mítica personagem de António Feio, Jonhy Bigodes.

 

É difícil, pelo menos para mim que adorei este livro, formular uma opinião sobre ele depois de ter lido o prefácio de Rui Zink que, julgo, não deixar muito mais por dizer a favor do que podem encontrar nestas páginas. Este livro reúne crónicas publicadas em diversos formatos, incluindo as rubricas de rádio “Mata-Bicho” e “Tubo de Ensaio”, com Bruno Nogueira e, como tal, vamos encontrar temas antigos, como o Juíz Neto de Moura, a Madonna a tentar entrar com cavalos em palácios ou mesmo a eleição de Trump como presidente dos Estados Unidos da América. Vamos vê-lo brincar com coisas fúteis como o jantar da Web Summit no Panteão Nacional, mas também como coisas muito sérias, como os incêndios de Pedrógão Grande e o “jornalismo” sensacionalista à sua volta. Obviamente que, para quem acompanhou os directos do Bruno Nogueira durante a quarentena, nomeadamente o último, sim… vamos ouvir falar sobre a Irmã Lúcia e os outros dois pastorinhos que, no meio desta salganhada de temas, quase confundimos com Bárbara Guimarães e Manuel Maria Carrilho. Há de tudo para todos os gostos, ninguém escapa ao humor acutilante do Quadros, aliás, não é bem “ninguém”, porque, como afirma Rui Zink: “O João cumpre à perfeição a única ética do humor (…) que consiste em apontar a mira sempre para cima ou em frente, nunca para quem está em baixo. (…) O João só bate em quem tem corpo para apanhar.”

 

O trabalho de um humorista é estar a par de tudo o que se passa em todo o lado, desde o Financial Times à CMTV (os humoristas serão os cidadãos mais activos e mais bem informados da nossa sociedade?) e este livro que, na realidade é uma pequena amostra do trabalho deste autor, revela isso mesmo, o seu empenho em dar conta de tudo o que de injusto e, até patético, se passa à nossa volta, enquanto andamos todos demasiado ocupados para o perceber. E não, não o faz de forma sóbria. Aliás, se há coisa que o João Quadros não é, é uma pessoa sóbria, mas antes aquela personagem que facilmente passa, como diz o ditado popular: “de besta a bestial” para depressa tornar a passar “de bestial a besta”. O Quadros é, como encontramos no prefácio, “um gajo que chateia” e este livro mostra-nos que, sempre que acontece qualquer coisinha, por mais insignificante que seja, como por exemplo: alguém faz desaparecer umas “armazinhas” de um paiol em Tancos: lá está o Quadros a implicar e, durante uma semana ou mais…, já sabemos que o Quadros não se vai calar com isso – mesmo quando todos os meios de comunicação já “esqueceram” o assunto. Além de chato, é um gajo arrogante e mal educado que diz coisas impensáveis como: “Faz-me muita comichão no fígado que um Governo que, por exemplo, é contra a morte assistida de pessoas que desejam morrer, seja a favor da morte por falta de assistência a pessoas que desejam ficar vivas. Irrita um bocadito pensar que a uma pessoa que esteja a morrer de hepatite C e que precisa de um medicamento para lhe salvar a vida, como o País não tem dinheiro para a salvar, resta-lhe a esperança final de que lhe saia um Audi de borla num concurso promovido pelo Estado.”

João Quadros é insolente porque diz coisas que muitos não querem ouvir e outros não querem pensar.

 

Sendo um livro de crónicas, podemos encontrar uma linguagem e um tom extremamente coloquial que, de uma forma reconfortante, nos dá a sensação de que estamos a ouvir o autor a contar-nos as suas histórias. O que me parece, ao ler, é que João Quadros deixa jorrar toda uma torrente de pensamentos para o papel e se deixa ir atrás da corrente que cria – julgo que as pessoas que se podem dar ao luxo de fazer este tipo de trabalho e terminar com um resultado como este aglomerado de crónicas, têm de ser, de facto, pessoas com muito talento mas também, com muita dedicação à sua profissão. No entanto, e porque Quadros se centra no conteúdo e não na forma, o texto apresenta erros de construção frásica e de troca ou omissão de letras e/ou palavras, por isso mesmo, julgo ter sido necessário um maior trabalho de revisão de texto cujo descuidado joga contra o próprio trabalho do autor.

 

Em suma, é um livro que aconselho vivamente a quem gosta de humor, especialmente do género acutilante e sem reservas de qualquer tipo. No entanto, não sugiro uma leitura seguida, mas sim abrir o livro ao acaso e ler a crónica que se vos apresentar, saltando, inclusive, entre os diversos temas em que o livro se organiza. Por tudo o que mencionei acima, este é um livro que pede algum respiro para poder ser apreciado em toda a sua pujança.

 

Este livro foi lido no âmbito do #desafiosillyseason e gentilmente oferecido pela LeYa/Oficina do Livro

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