Opinião

“A Heartbreaking Work of Staggering Genius” de David Eggers

“A Heart Breaking Work of Staggering Genious” ou “Uma Obra Enternecedora de Assombroso Génio” de Dave Eggers

 

Dave Eggers é um conceituado escritor norte-americano, formado em Pintura que dedicou a maior parte do seu percurso profissional ao jornalismo. Aos 50 anos tem um trabalho incrível na luta pelos direitos humanos e pelo acesso à educação a todas as classes sociais, um dos seus livros, “What Is the What”, acerca da vida de um refugiado da Guerra Civil do Sudão, Valentino Achak Deng, resultou numa Fundação que dirige escolas secundárias no Sul do Sudão.

 

“A Heartbreaking Work of Staggering Genius” é o livro que me inicia na escrita daquele que é considerado uma das figuras mais icónicas da literatura pós-moderna dos Estados Unidos da América. Publicado em 2000, é a primeira obra do autor e conta-nos sobre uma parte da sua vida num encontro entre a  memória dos factos e a sua reconstrução – no prefácio (a minha edição é de 2000 da editora Picador) Eggers faz uma descrição exaustiva do que ficcionou ou não ao longo da narrativa. Aliás, todo o prefácio é bastante interessante e completamente diferente do que eu já li, nele são apresentados os temas abordados no livro de diversos pontos de vista, por capítulos, por temas, por categorias da narrativa. Podemos também saber informação pertinente sobre o autor, como, numa escala de 1 a 10, onde se situa a nível de orientação sexual e comportamentos quotidianos, um orçamento detalhado que mostra o que ganhou e gastou com a publicação, um guia de leitura em que nos aconselha a saltar algumas partes do livro e ainda, um desenho de um agrafador, entre tantas outras coisas. Mais do que nos dar informação sobre o livro, o prefácio dá-nos informação sobre o autor e uma perspectiva sobre as características da sua escrita, detalhada, repetitiva, exaustiva e por vezes irónica.

 

Passado o prefácio, o livro começa com a morte dos pais do autor, que acontece com apenas 5 semanas de diferença um do outro, ambos vítimas de doenças prolongadas, o que faz com que os 3 irmãos, Beth, Dave e Toph decidam abandonar Chicago e mudar-se para San Francisco, onde Dave assume a custódia de Toph, cerca de 10 anos mais novo. E, o que se vai desenvolver até ao final é a história de como o autor/personagem percorre a busca pela afirmação da sua vida pessoal enquanto se deixa envolver por completo com a educação de Toph, relação que nem sempre consegue discernir, por vezes ele é, de facto o seu irmão, outras vezes o seu melhor amigo e, algumas vezes, o seu filho. E são todas estas questões interiores, que lutam e se sobrepõem dentro dele, e que conduzem a forma como partilha connosco as memórias que guarda desse tempo.

 

A escrita de Dave Eggers não é uma escrita que permita uma leitura fluida, como já referi é demasiado detalhada e, embora mantendo uma cronologia relativamente coerente, o tempo da acção não é importante, quase não há referências temporais ao longo do texto – não é isso que interessa passar. O próprio ritmo do texto reforça essa ideia, os acontecimentos são descritos de forma e com detalhes diferentes, por exemplo, um momento de 3 horas pode demorar 60 páginas, enquanto um de 2 dias pode demorar 3 parágrafos, sem que a importância do momento na narrativa seja forçosamente diferente. O carácter repetitivo do texto também contribuiu para marcar a irregularidade do ritmo, tornando-o obsessivo, característica que podemos, claramente, identificar no personagem de Dave – e que marca o tom da forma como lida com a responsabilidade da educação do irmão. Na maioria das entrevistas e artigos que vi e que li, a sua escrita é caracterizada como maníaco-depressiva, opinião com a qual discordo. Embora possamos identificar características maníacas, não me lembro de me ter cruzado com momentos depressivos resultado de oscilações abruptas de humor, embora elas não tenham de existir no decorrer desta acção em específico. O que me faz identificar comportamentos obsessivos são os constantes pensamentos catastróficos que Dave desenvolve em relação ao irmão como por exemplo, quando o deixa com um babbysitter para ir sair com uns amigos, e vai no caminho a ruminar o perigo em que o pode ter deixado até ao ponto de imaginar chegar a casa para o corpo morto e ensanguentado do irmão, por culpa sua, porque deu preferência a uma noite de álcool e possíveis encontros sexuais, em vez de ao “heartbreaking work” que herdou.Obviamente que, como acontece em todos os casos de pensamentos catastróficos, nada aconteceu. Outro exemplo da obsessão de Dave em relação ao Toph é  a responsabilidade que sente em relação à educação do seu irmão, que resulta num exagero emocional das consequências dessa tarefa, como podemos ver por esta passagem: “Sinto-me horrível e culpado durante a maior parte do tempo, sabendo no fundo de mim que, se não lhe fizer o pequeno-almoço e se não o levar à escola, ele irá transformar-se numa pessoa que esfola coelhos e se diverte com bestas e pistolas de tinta.” *

 

Resumindo, que já me alongo, em “A Heart Breaking Work of Staggering Genious”, Dave Eggers traz-nos memórias,  que são memórias de uma vida que gira à volta do seu irmão, que é comandada pelas necessidade do seu irmão, as reais e as que o próprio Eggers projecta. Apesar de nos contar situações com os seus amigos, do início da sua carreira editorial com o lançamento da revista “Might”, a presença do irmão está sempre lá e ele nunca deixa que não esteja.

 

No entanto, embora este Eggers nos pareça incrivelmente altruísta, por dedicar a sua vida ao irmão, haverá partes em que ele irá deixar transparecer uma personalidade arrogante, egocêntrica, narcisista e irritante, não só em relação ao trabalho que desenvolve na revista, mas também, e especialmente, em relação à educação de Toph, quando por exemplo, numa festa da escola pensa que devia ser-lhe dada a guarda de todas as crianças porque considera os seus pais incapazes de as educar. Porque ele é que é o órfão, ele é que sofreu como ninguém, ele é que perdeu tudo e é a ele que o mundo e as oportunidades são devidas. (Embora no prefácio admita que não, não é o único nessa situação, mas será o único nessa situação com um contrato editorial.)

 

Eggers conta-nos uma história que nem sempre é lógica, que nem sempre faz sentido, ora comovente, ora irritante, a cópia, mais ou menos fidedigna de um diário de alguém que se esforçou para ser o que melhor que conseguiu.

*tradução livre a partir da edição inglesa.

Podem encontrar mais informações sobre o trabalho de Dave Eggers aqui.

Tenho também opinião da obra “Your Fathers, Where Are They? And the Prophets, Do They Live Forever?”

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