A Veia da Minha Bílis,  Opinião

“Catch 22” de Joseph Heller

Joseph Heller nascido em Brooklyn, em 1923, é considerado um dos mais importantes escritores da literatura americana. Em 1961, publicou “Catch-22”, inspirado na sua experiência durante a Segunda Guerra Mundial – entrou para a Força Aérea Americana e aos vinte anos e foi enviado para Itália, onde voou em 60 missões de combate num bombardeiro B-25.

Depois da guerra, Heller formou-se na Universidade de Colúmbia, e recebeu, em 1949, uma bolsa da Universidade de Oxford, onde permaneceu entre 1949 e 1950, trabalhou como professor de Inglês na Universidade de Pensilvânia (1950-1952), como redator de publicidade para as revistas Time (1952-1956) e Look (1956-1958) e como editor da McCall’s. Enquanto isto ia escrevendo “Catch 22”. Após a escrita do livro, deixou a McCall’s para leccionar ficção e composição dramática na Universidade de Yale e na Universidade da Pensilvânia. É ainda autor de romances como “Good as Gold”, “God Knows”, “Picture This”, “Closing Time” (a sequela de Catch-22), e “Portrait of an Artist, as an Old Man”. Morreu em Dezembro de 1999. “Catch-22” foi um bestseller internacional e é uma obra de referência da literatura, figurando em todas as listas dos livros a ler.

Não sei se vocês todos, mas julgo que muito de nós já ouvimos a expressão “catch 22” em séries ou filmes americanos, a nossa: “pescadinha de rabo na boca”. Foi o que me atraiu logo no livro – isso e ter sido uma das leituras do Filipe Cruz do canal Books, Less Beer & a Baby com 5 estrelas no Goodreads, com uma daquelas opiniões simples que dizem tudo: “great style of writing. very cleverly written. powerful changes from humor to dramatic.” – estando eu na minha busca por livros que se inserissem no meu #desafiosillyseason, “Catch 22” parecia óptimo porque além de bem cotado, era considerado um clássico da literatura. Foi um dos últimos que li, dentro do desafio, já tinha passado por autobiografias, crónicas, fantasia e de repente estava perante um livro de ficcção que retratava um assunto muito sério.

Publicado em 1961, “Catch-22”, cujo título não foi traduzido para português, mas ao qual foi adicionado “(Artigo 22)”, editado pela D. Quixote, relata a história de um esquadrão de bombardeiros norte-americanos, durante a Segunda Guerra Mundial, com base numa ilha italiana, que vê o seu número de missões constantemente aumentado, assim que se encontram prestes a regressar a casa.

Muito se escreveu já sobre este livro – em “Dark Humor” Harold Bloom dedica-lhe um capítulo em que analisa a dificuldade em categorizá-lo, sendo que “comédia” é uma banalização do que Heller criou. Aliás, há ainda imensas teorias sobre a diferença entre comédia e humor, mas que as não vou desenvolver aqui. É verdade que este livro tem momentos de pura comédia, no entanto, como diz Bloom: “ela é apenas superficial, se apreciável, e serve apenas como camada subjacente à temática base do romance”. É, pois, através do poder da sátira que nos demonstra o que se passa de facto dentro das trincheiras da guerra, nomeadamente nas constantes ascensões de poderes de oficiais e eternas burocracias que, tanto se tornam obstáculos para uns, como apenas percalços para outros, dependendo do que melhor servir a tais ascensões.

O título “Catch 22” traduz toda a lógica do livro. Catch 22 é um artigo que se aplica em várias ocasiões que, na realidade, impede a premissa inicial sendo que a primeira vez que aparece  desta forma:

  • “Yossarian olhou-o em silêncio por um momento e tentou outra táctica.
  • – Orr é doido?
  • – Sem dúvida.
  • – Pode dá-lo por incapaz?
  • – Claro que posso. Mas primeiro tem de me pedir. Faz parte do regulamento.
  • – Então, porque não lhe pede?
  • – Porque é doido. Só um lunático continuaria a participar em missões de combate depois de escapar por uma unha negra tantas vezes. Com certeza que posso dá-lo por incapaz. Mas primeiro ele tem de me pedir.
  • – Basta isso?
  • – Basta. Que me venha pedir.
  • – E depois dá-lo por incapaz?
  • – Não. Depois, não posso.
  • – Quer dizer que há um ardil?
  • – Decerto. O Artigo Vinte e Dois. Quem quer ser afastado das missões de combate não está realmente doido.
  • Havia apenas um ardil e era o Artigo 22, o qual especificava que a preocupação de um homem pela sua própria segurança perante perigos reais e imediatos constituía o resultado do funcionamento de uma mente racional. Orr era louco e podia ser dado por incapaz. Bastava-lhe pedir, e a partir do momento em que o fizesse deixaria de ser louco e teria de participar em novas missões. Seria louco se participasse em novas missões e mentalmente são se não o fizesse, mas neste último caso teria de voltar a voar. Se o fizesse, seria louco e não teria de o fazer, mas se não quisesse, estaria em plena posse das faculdades mentais e deveria fazê-lo. Yossarian sentia-se profundamente impressionado com a notável simplicidade daquela cláusula do Artigo 22 e emitiu um silvo de respeito.
  • – É um bom ardil esse Artigo Vinte e Dois.
  • – Dos melhores que existem – admitiu o Dr. Daneeka.”

Harold Bloom apresenta-nos um conceito muito interessante, o de “monomania” que em psiquiatria significa um tipo de paranóia na qual o paciente tem uma única ideia e/ou emoção e se torna tão obcecado por elas que todas as suas acções revolvem no sentido de as concretizar: por exemplo, Milo, um dos bombardeiros desse mesmo pelotão, que há muito deixara de voar para se tornar comerciante (vulgo charlatão obcecado em lucros rápidos) faz com que a Alemanha bombardeie o seu próprio destacamento, a troco de trocos.

A história vai-nos sendo apresentada desta forma, apesar da personagem principal ser Yossarian, que se crê representar as próprias memórias ficcionadas da experiência de Joseph Heller durante a Segunda Guerra Mundial. Em cada capítulo é-nos apresentado o ponto de vista “monomaníaco” de  outras personagens e, desta forma, percebemos o que é que se passa na guerra, não na guerra dos soldados que caem feridos ou que já nem aparecem, mas nos que regressam com o peito pesado de insígnias, vitoriosos pelo serviço que prestaram à Pátria.

Não é pois de estranhar que, pela altura da sua publicação, são já muitos os best-sellers sobre a Segunda Guerra nos escaparates das livrarias americanas, no entanto, o livro de Heller distingue-se por ser o primeiro a olhá-la deste ponto de vista satírico, o que faz com que a obra não atinja de imediato o sucesso que hoje lhe é reconhecida. No entanto, o escalar da Guerra do Vietname e o aumento do número de soldados americanos para destacados em missões, começa a suscitar na população um desacreditar nas autoridades militares, nomeadamente nos apelidados “baby boomers” que empunhavam o livro nas suas manifestações anti-guerra e nos próprios soldados em campo de batalha que liam o livro entre si e que se perguntavam: “o que é que estamos aqui a fazer?”

Quanto à expressão “Catch 22” que deu origem ao título, no alto da minha ignorância, julgava que Heller se teria apropriado dela, mas, e para minha felicidade, tão errada estava eu A expressão foi cunhada pelo autor e teve tanto sucesso que a língua inglesa acabou por se inclui-la dela no seu vocabulário.

O texto de Joseph Heller foi ainda adaptado ao cinema em 1970, dirigido por  Mike Nichols, e, em 2019, criado por Luke Davies, David Michôd em formato de mini-série em sendo que os dois primeiros episódios foram dirigidos por George Clooney.

Joseph Heller vai directo para a categoria de Novos Amores.

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Trailer do filme:

Trailer da mini-série:

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