Diários de uma POC Cartesiana
Quando comecei a minha psico-terapia, em Junho de 2018, decidi documentar o processo em forma de diário escrito. Em Outubro de 2019 tive aquela que seria a minha última consulta e, nesse momento, o diário fechou-se também. Foi um ano e meio de entradas metódicas e, quase, diárias. Umas curtas e outras bem longas. Toda uma descoberta de uma nova pessoa e o seu crescimento assente em folhas de papel.
Para quem sofre de uma doença do foro psiquiátrico o descanso é CRUCIAL! Quando digo que estou cansada é normal que relativizem o cansaço: “Ó filha, estamos todos!”, mas a verdade é que eu canso-me muito mais do que uma pessoa saudável emocionalmente porque, não só tenho de lidar com o cansaço físico como também com o cansaço de ter de estar sempre a controlar as minhas obsessões. Este meu novo trabalho, que eu adoro, exige muita disponibilidade física mas, para mim em específico, é-me mais difícil aguentá-lo a nível psicológico. Embora dê a ideia de ser bastante social, tenho muito medo de aglomerados e barulhos – para mim um dia de sonho é estar fechada em casa sozinha, mesmo sem a minha família (sim, pode ser horrível de ler, mas é verdade!) e trabalhar num hipermercado, onde já ninguém se dá ao trabalho de procurar nada: “Pode dizer-me onde estão os gelados?”, e mesmo assim ter de sorrir para não dizer: “Olhe, vá ver no talho!” é tarefa que me deixa tão exausta como carregar 30 sacos de 15kg de ração para animais.
Habituada a trabalhar com poucas, ou nenhumas pessoas, ter cerca de 100 pessoas à minha volta diariamente e estabelecer relações, mesmo que sejam apenas de cordialidade é outra fonte de desgaste emocional. Quando preciso de estar sozinha e fechar-me pode ser impossível, há sempre alguém que não percebe e permanece, continuadamente a tentar estabelecer conversa comigo, o que me eleva os meus níveis de irritabilidade, e não é nada de pessoal, trata-se apenas da minha, tão limitada, disponibilidade emocional – se o dia não me correr bem, quando chego a casa preciso de cerca de 1 a 2 horas para descansar até conseguir fazer alguma coisa, por exemplo ler ou aspirar (nas duas últimas semanas tenho demorado entre 30 minutos a 2 horas para conseguir sair do trabalho.)
Passaram 6 meses desde que comecei a trabalhar e cada vez gosto mais do que faço. No entanto, ambos os cansaços aumentam exponencialmente. É tudo uma bola de neve, porque quanto mais cansada estou, menos capacidade tenho para controlar os meus sintomas que, há cerca de uma semana, me apercebi que me estão a atacar com força – entro em colapso mais depressa quando as coisas escapam ao meu controlo e, por momentos, paraliso e deixo de conseguir trabalhar, os meus níveis de irritabilidade aumentam a cada dia que passa, são mais frequentes os descuidos com as limpezas da casa e com a higiene pessoal e, claro, como não podia faltar… o pior e mais problemático de todos os sintomas: a manipulação de sentimentos – quando me aproximo de alguém a minha POC transforma os sentimentos de amizade por ilusões amorosas e eu nunca fui capaz de perceber a tempo. No entanto, consigo sentir a minha evolução porque foi este o sintoma que deu o alarme para os outros, Assim que me comecei a sentir diferente do que devia, percebi que estava a ser atacada e sabia o que fazer, Mas, isso não é suficiente para o controlar.
Desde muito cedo na minha terapia descobri que tenho um problema com a minha doença que é ser extremamente consciente dela, o que não significa que consiga agir. Em muitos casos, eu sei o que se passa e sei o que preciso fazer para o resolver, no entanto não consigo estabelecer a relação entre os dois pólos – é como se existisse um muro entre os Estados Unidos da América e o México (Ah, espera!). Foi por isso que ontem decidi tornar aos diários. A receita é escrever todos os sintomas que tenho, ou consigo reconhecer, e a forma que conheço para os resolver e, ao mesmo tempo, encontrar soluções para me obrigar a fazê-lo. Por exemplo: se não “quero” lavar os dentes antes de dormir, vou colocar um post-it sorridente no espelho da casa-de-banho para me lembrar de que preciso de o fazer. Se estou a entrar em paranóia por causa de alguém, preciso de sair do mesmo espaço que essa pessoa. Mas a coisa não é assim tão fácil para tudo, por exemplo: se estou cansada mas acho que preciso de aproveitar o meu tempo em casa, por exemplo para ler, normalmente bebo café para conseguir ficar acordada até mais tarde e forço-me até à exaustão, por isso tenho de assumir o cansaço e perceber que o descanso é CRUCIAL para o meu bem-estar emocional e ir dormir assim que começo a ficar cansada – e não!, para este muro ainda não encontrei a dinamite certa!
Não, no meu caso, não basta querer! Não há livro de auto-ajuda com um “f*da-se” no título que resolva os meus problemas. No meu caso tudo isto exige muita ferramenta, muita força, muita auto-disciplina, um entorno extremamente equilibrado e sem louça suja na bancada, e tudo isto exige uma energia de super herói que neste momento sei que não tenho. Até escrever este texto, que acho necessário, me cansou e me causou dores de cabeça.
Decidi falar mais sobre a minha POC porque acho importante dar a conhecer a forma como vivem as pessoas com distúrbios mentais. É muito fácil desvalorizar muitos comportamentos, mas a verdade é que, como vêem ela afecta a minha vida de tal forma que perco horas do meu dia a tentar lidar com os meus sintomas, pelo menos com aqueles dos quais me dou conta, já nem falo de outros que desconheço e que interferem no meu quotidiano sem que me aperceba.
(1 hora e meia de sono depois):
Quando se está bem é preciso estar sempre consciente, alerta… porque se qualquer coisa corre mal e calhamos a cair, as consequências são extremamente dolorosas para nós e para quem nos rodeia que, muitas vezes, fica de mãos e pés atados sem nos conseguir ajudar, e levantar é um processo que pode demorar meses.
Termino com uma nota de que apesar de já não fazer psico-terapia, sou acompanhada pelo mesmo psiquiatra desde o início, um médico em quem confio, de quem gosto muito e que me faz sentir muito bem. O acompanhamento médico e/ou psicológico e a medicação são indispensáveis para uma vida estável.
Um comentário
Anónimo
Força Carina! É preciso muita coragem para partilhares tanto de ti e da TUA LUTA! Um dia de cada vez! Bjs
Joninhas