Os artesãos de uma arte em risco

Jimmy Carr começa assim, “His Dark Material”, um especial na Netflix:

“Antes de começarmos, um pequeno aviso: “Este espectáculo tem piadas sobre coisas terríveis, coisas terríveis que vos podem ter afectado e às pessoas que amam. Mas são apenas piadas, não são essas coisas terríveis. Há uma grande diferença entre fazer uma piada sobre violação… e fazer uma violação. Espero eu ;)”

Diz ainda que devido ao material que vai apresentar, este pode bem ser o seu último especial visto que contém todos os ingredientes, e mais alguns, para entrar no radar da cancel culture. E não falha muito: Quase no final, no seguimento de piadas sobre o Holocausto e, em tom irónico, o comediante sai-se com:

“Quando as pessoas falam sobre o Holocausto, falam sobre a tragédia e o horror da morte de 6 milhões de Judeus às mãos da máquina Nazi, mas nunca mencionam os milhares de ciganos que foram mortos. Ninguém quer falar sobre isso, porque nunca ninguém quer falar sobre sobre as coisas positivas.”

Jimmy Carr foi assediado e acusado de racismo e esteve à beira de ver o seu espectáculo cancelado e retirado da Netflix, o que felizmente não aconteceu.

Gostei muito deste especial mesmo por causa disto, no turbilhão da cancel culture e dos ataques aos humoristas, Carr não cedeu. Não só se manteve íntegro em relação ao seu trabalho, como também decidiu arriscar mais ainda, mesmo com todos os avisos que ia fazendo antes das piadas – mas também uma maneira de chamar de “burrinhos” a quem ainda não percebeu.

Jim Jefferies, outro comediante que arrisca, diz que não são eles que estão mais provocadores, muito pelo contrário, foi a tolerância a esta profissão que desceu drasticamente nos últimos 10 anos. Curiosamente, no seu mais recente especial “High and Dry” muda completamente o seu estilo e apresenta-se mais alinhadinho com as “exigências” do público, justificando que o casamento, a paternidade e o facto de ter deixado de beber o mudou como homem e, como tal, como profissional.

Eu pergunto-me: Será mesmo? Claro que as pessoas não são iguais, mas com Carr aconteceu exactamente o mesmo – sem a bebida, mas com uma grande polémica de fraude fiscal. E não cedeu.

Se gostas de stand-up comedy, mas humor negro não é a tua cena, convido-te a conhecer o humorista Ari Eldjárn no meu episódio de Podcast: “Pardon My Icelandic”.

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