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Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.

Cada um tem os seus guilty pleasures. Por exemplo: há quem adore espremer borbulhas a outras pessoas, o que para mim é só nojento, mas eu também tenho os meus e, sim, o maior é a Shakira… Mas o mais recente não é menos nojento do que pus a saltar da carne de outra pessoa e muitas vezes ao ponto de espichar para a nossa própria cara: são as caixas de comentários das páginas de órgãos de comunicação social portugueses. Verdade, assumo o meu lado masoquista, mas só este porque o outro reservo para outro tipo de crónicas…

Por isso, e para que não tenham que passar pelo mesmo que eu, decidi abrir uma rubrica nova “Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”, uma velha máxima que a minha avó me ensinou. O que também não deixa de ser irónico, porque em minha casa sempre se ralhou e sempre houve pão, caseiro e fresquinho porque o cozíamos cá. Mas como vinha quentinho e havia sempre um pacote de Planta e muito açúcar louro à mão, a ganância fazia com que ele desaparecesse logo – devia ser por isso e não pela falta de dinheiro para pagar as contas.

As maiores tiradas que encontro são:
– “Mas isto é notícia?”, em crónicas e em divulgação de podcasts;
– “Este pasquim é só jornalixo.”
– Correcção de erros ortográficos – algumas vezes por pessoas que dão calinadas ao corrigi-los
– E o que eu mais gosto: “A culpa é do Governo.” mesmo que o Governo não esteja envolvido no assunto.

Esta actividade tem-se revelado bastante cansativa, é um esforço hercúleo gerir as expectativas de encontrar humanidade em certas caixas de comentários, mesmo quando essas expectativas já estão quase abaixo de 0. Entre muita chalupice, agressão “Olha lá, que não andaste comigo na escola.”, puro desconhecimento do que se está a falar (os famosos comentadores de títulos), ofertas de empréstimos e entretenimento picante, volta e meia lá aparece alguém que parece de facto estar interessado em criar diálogo produtivo, por norma os únicos comentários aos quais não há reacções – desde quando a seriedade é chamada para a conversa. Há quem se dê ao trabalho de ir ver os perfis de quem está a comentar para ter armas de arremesso contra alguém que tem opinião diferente.

As caixas de comentários dos órgãos de comunicação social dizem muito sobre a mentalidade de uma cultura. Além de despejos de frustrações – elas têm de sair de alguma forma – são muitas vezes lugares de despejo de raiva, pura raiva. Raiva contra aquilo que não podemos mudar, e muitas vezes também contra o que podemos, mas no fundo, não queremos mudar. Tantas vezes a raiva é apenas um sintoma do medo. E é aqui que fica, contra desconhecidos, onde a nossa opinião é sempre mais válida do que a do outro, a nossa verdade é sempre mais íntegra do que a galinha do vizinho. E faz-se sempre de tudo para garantir que o mundo sabe que nós é que sabemos. Nós é que sabemos de todas as matérias, incluindo o que deve ser considerado jornalismo, quais são as notícias importantes de divulgar e de que forma devem ser trazidas a público, ou a expresso.

Quis procurar um exemplo de uma notícia pura e simplesmente informativa, e que não me parecesse conter combustível para qualquer discórdia ou azedume. Não só não me bastou navegar muito no Público, como ironicamente, encontrei uma sobre o risco de incêndios na Península Ibérica. Apenas se afirma que as temperaturas vão subir e que a Península Ibérica corre maiores risco de incêndio do que os normalmente registados nesta altura. Abrindo o artigo (gratuito) poderá ler-se que o risco é francamente maior em Espanha, que tem tido incêndios ultimamente, e nas zonas portuguesas fronteiriças. O artigo ainda explica o porquê do risco mais elevado nesta altura.

E é só isto. Aliás, o mapa mostra bem onde está o maior risco e só quem está alheado da realidade não sabe o que se tem passado em Espanha neste campo, aliás, em vários campos porque têm sido bastantes os hectares queimados. E só por isto, o jornal é acusado de terrorismo, de ir buscar fotos a bancos de imagens gratuitas, de incitar ao ódio, e de manipular mentes fracas. “Vão passear!” e aproveitem para tirar umas fotografias, acrescento eu.

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