Opinião

“Mamã, não há tigres em África” de Afonso Cruz

“o fio da navalha” é uma metáfora que se usa quando se quer expressar dificuldade. Na minha opinião, “o fio da navalha” é um “limbo”, uma “corda bamba” é o estar perante duas saídas e qualquer uma delas ser angustiante. 

 

Neste seu pequeno conto, Afonso Cruz descreve uma ida ao barbeiro num curioso (des)encontro entre o conforto de ser cuidado por alguém enquanto nos refestelamos numa cadeira almofadada e a insegurança de sentir um desconhecido apontar-nos uma arma branca à jugular enquanto o nosso corpo relaxa. Na cadeira do barbeiro, está-se, literalmente, no fio da navalha e a única forma que temos de manter a cabeça no lugar, é fazendo fé nas mãos do barbeiro. E, eventualmente, evitar olhar para os espelhos. 

 

Afonso Cruz compara a lâmina à conjunção “ou” que ironicamente

“Corta as coisas, ou isto ou aquilo, uma para um lado, uma para o outro. (…) “e”ao contrário de “ou”, junta coisas.”

 

L(âmina)-OU-cura, é um jogo de palavras que me ocorre ao escrever esta opinião sobre o texto. Este homem conta um pouco da história da sua família: a mãe perdeu a cabeça, depois da irmã ter sido decapitada em África, e ao longo de curtas 13 páginas, discorre sobre sobre lâminas, morte e decepamentos, literais e figurativos. É nesse discorrer que nos revela a sua obsessão pelo acto da separação do corpo da cabeça. Cada pormenor que encontra, levanta uma questão:

“Uma cabeça cortada pode ficar a matutar durante minutos”. 

 

O que é um corpo sem cabeça? O que é uma cabeça sem corpo? Quantas vezes, ao longo da nossa vida, podemos sobreviver a uma decapitação? Não há mesmo tigres em África? Também aqui, o autor nos presenteia breves apontamentos de humor, um absurdo que faz questão que seja muito lógico. 

 

“Temos de saber do que é que uma lâmina é capaz antes de decidirmos fatiar um lombo de porco assado no forno ou simplesmente cortar bróculos.”

O fio da navalha que está pouco afiado pode comprometer a sua consistência sem realizar o corte o muito afiado pode levar-nos o bróculo e o dedo também, por isso: cuidado com a cabeça.

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