#agoracronicoeu
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Crónica Fria
Em 1985, ainda em clima de Guerra Fria, o músico Sting lança “Russians”, cujo compasso é marcado pela frase “I hope the Russians love their children too.” e foi este apelo à ternura dos Russos que a tornou icónica. Sting faz vários apelos a ambos os lados “of the political fence”. Se por um lado Nikita Kruschev ameaça destruir o sistema capitalista americano através do poder comunista soviético, por outro lado Ronald Reagan garante que vai ganhar a guerra. Mas músico quer relembrar algo bastante importante: “there’s no winnable war”, em seio de guerra não há vencedores, o que fica são rastos de perdas e de destruição, “It’s a…
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Todos os anos que te escrevo, parece que não estás cá!
dizes que és para todos, no entanto és-me mais impermeável que o maior guarda-chuva. guarda-vento. guarda-tenda. cata-vento. pára-brisas. pára-raios. raios te partam. clamas que seres é uma questão e por isso exiges que seja eu a responder por ti. não quero. cansei. sofri. chorei. pesei. também ri. despi. desnudei. senti. mas a que custo? achas que está sempre tudo bem. não há certo nem errado, mas minas-me a cabeça de egocentrismo. vão gostar? vão odiar. vão perceber? isso não se ouve lá de trás. porque é que me preocupa o que as outras pessoas pensam? quero tanto que gostem de mim. é o texto? é a cena? o ovo ou…
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A Espuma dos Dias
“Já estamos no final do ano”. Parece que é sempre num ápice que chegamos ao final do ano. Todos os anos. E, desta forma, Dezembro torna-se o mês das tradições, a do bacalhau, a do Ferrero Rocher e a das resoluções, e os últimos dias do ano são, por norma, dias etéreos. Dias em que, ao pesarmos o passado e resolvermos o futuro, nos prostramos num estado de sítio em que deixamos de ter qualquer um deles. Será, provavelmente, um das poucas alturas em que nos é tolerado ser optimista, em que nós próprios aceitamos considerar a utopia de um “futuro melhor”. Deixaremos de fumar, começaremos uma dieta, abriremos uma…
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Dia da Mulher
Em Março comemora-se o Dia Internacional da Mulher. Todos sabemos, ou deveríamos saber, o significado desse dia, no entanto tenho a sensação de que a forma como nos orgulhamos dele está ainda longe de tudo o que deveria simbolizar. Lembro-me de, há três anos, um qualquer programa televisivo ter celebrado o Dia Internacional da Mulher convidando uma série de homens famosos a calcorrear uma calçada de saltos altos. Feliz Dia da Mulher, “try walking on my shoes”. É incrível como, tantos anos depois das lutas que resultaram em centenas de mulheres mortas, anos depois de queimados os sutiãs, ainda celebrarmos as mulheres e a sua força envergando símbolos como a…
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Não, o acesso aos livros nunca nos foi vedado!
A todos os que gritam a defesa da liberdade contra a proibição da venda de livros e fecho das livrarias, aconselho-vos a leitura deste artigo do Ípsilon. E digo-vos ainda: – Não, não se fecharam as livrarias porque se proibiu a venda de livros: Fecharam-se as livrarias como se fechou tanto comércio e serviço, tais como restaurantes, cafés, lojas de roupa. entre tantos outros, unicamente porque entrámos em período de confinamento,. – Não, não se proibiu a venda de livros nas grandes superfícies porque se proibiu a venda de livros: O governo considerou que o facto dos hipermercados continuarem abertos de forma a garantirem bens de primeira necessidade, a possibilidade…
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Ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro…. sobre Auschwitz!
Hoje, decidi acabar com as brincadeiras e usar este espaço para falar sobre coisas sérias. Acho que está na hora de parar pensar num dos maiores flagelos da história da nossa humanidade. Não, ainda não é desta que vos vou contar a noite de copos que passei com a Maria Leal, porque também não vos quero deprimir a esse ponto. O flagelo sobre o qual vos quero chamar a atenção é Auschwitz. É tempo de pararmos de nos olhar como “coitadinhos, que vamos todos ser infectados com o vírus”, ignorando os milhões de pessoas que já sofreram e ainda sofrem com a quantidade de literatura sobre Auschwitz que por aí…
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Tony Soprano: o Feio, Porco e Mau que todos amamos
Porque razão amamos e odiamos Tony Soprano? Será o fascínio pelo poder que tem nas mãos, ou o carisma de James Gandolfini que nos inebria de tal modo que nos faz relativizar completamente o seu lado de assassino? Soprano é um homem que, à primeira vista, tem tanto de sedutor quanto uma ventoinha cheia de pó em pleno Inverno: grande, gordo, careca, peludo, com fio e anel de ouro no dedo mindinho – o típico Feio, Porco e Mau. Mas, a verdade é que, ao longo de 6 temporadas, esparsas em 8 anos e meio (Janeiro de 1999 a Junho de 2007) e 86 horas de pura televisão de excelência,…
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A Candura de uma folha em branco
A Candura de uma folha em branco – texto publicado na edição de Setembro de 2018 da Folha de Montemor Tempos infinitos a escrever, a sublinhar e a rasurar, a fazer crescer com o mesmo ímpeto com que se aniquila no momento seguinte, amassando a folha, outrora branca, que, sem piedade enterramos no lixo junto com os guardanapos sujos, os pelos dos cães e da gata e os restos do jantar de ontem. Talvez seja por isto que a candura de uma folha em branco assusta tanto. É como que relembrar o eterno temor de falhar perante tamanha imagem de perfeição. O temor de ter de votar ao esquecimento e…
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Cada pessoa é uma biblioteca
“Cada pessoa é uma biblioteca” ouvi eu dizer, há uns tempos, a uma psiquiatra (cujo nome não me recordo) numa sessão sobre leitura promovida pela Bertrand, a partir da inspiração que é Alberto Manguel, literário argentino que, em criança, lia em voz alta para Jorge Luís Borges, depois deste último ter cegado. Manguel fala também do indivíduo enquanto biblioteca, que se constrói a partir da “memória da memória da memória. Porque, de cada vez que lembramos algo que acreditamos lembrar, estamos a lembrar-nos de uma lembrança que é, geralmente, uma lembrança de uma lembrança. Não sabemos onde começam as lembranças.” Este “palimpsesto”, como lhe chama Manguel, é construído pelo que…
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A Angústia de um leitor que não lê
Quem gosta muito de ler, tem sempre o desejo de ter uma biblioteca maior do que a sua casa consegue guardar. Cada vez que encontro alguém que queira mudar de casa penso sempre para comigo: “A biblioteca daquela pessoa já não cabe na casa onde vive” – mentira, não penso em nada, não me interessam, nem quero saber da vida dos outros, mas achei que, por propósitos literários, esta frase ficava bem no contexto do que estou (a tentar) escrever. E o que é que eu estou a tentar escrever? Pois, vamos a isso. Estou aqui para tentar pensar, e partilhar, um pouco dos tsundokus comuns a todos os que…