Mil e Duas Páginas
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De Budonga a Budonga
Era uma vez uma barata que um dia acordou e era um Homeostético… Era uma barata. Muito barata, muito normal. Barata não no sentido depreciativo do termo, mas sim no sentido de animal ou insecto. Vivia na sua casa barata com os filhos baratos. Baratos, os filhos, também não no sentido depreciativo, mas no sentido da mãe barata. Já à casa, como não pode ter o de animal ou insecto, porque é uma casa e não um animal ou insecto, restou-lhe o tal outro sentido._ Mas o que é que me aconteceu?Tentou mexer as suas várias perninhas, mas elas haviam-se transformado em quatro membros opulentos, de estrutura e funções diferentes.…
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“Mamã, não há tigres em África” de Afonso Cruz
“o fio da navalha” é uma metáfora que se usa quando se quer expressar dificuldade. Na minha opinião, “o fio da navalha” é um “limbo”, uma “corda bamba” é o estar perante duas saídas e qualquer uma delas ser angustiante. Neste seu pequeno conto, Afonso Cruz descreve uma ida ao barbeiro num curioso (des)encontro entre o conforto de ser cuidado por alguém enquanto nos refestelamos numa cadeira almofadada e a insegurança de sentir um desconhecido apontar-nos uma arma branca à jugular enquanto o nosso corpo relaxa. Na cadeira do barbeiro, está-se, literalmente, no fio da navalha e a única forma que temos de manter a cabeça no lugar, é…
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Crónica Fria
Em 1985, ainda em clima de Guerra Fria, o músico Sting lança “Russians”, cujo compasso é marcado pela frase “I hope the Russians love their children too.” e foi este apelo à ternura dos Russos que a tornou icónica. Sting faz vários apelos a ambos os lados “of the political fence”. Se por um lado Nikita Kruschev ameaça destruir o sistema capitalista americano através do poder comunista soviético, por outro lado Ronald Reagan garante que vai ganhar a guerra. Mas músico quer relembrar algo bastante importante: “there’s no winnable war”, em seio de guerra não há vencedores, o que fica são rastos de perdas e de destruição, “It’s a…
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“Einstein on the Beach” Philip Glass, Robert Wilson, Lucinda Childs e Christopher Knowles
Há uns dias o Paulo, o bookstagrammer PJV – diário de um leitor, estava a ouvir Philip Glass e isso transportou-me imediatamente para “Einstein on the Beach”, uma ópera que Glass compôs para ser encenada por Robert Wilson. Glass é o autor da maravilhosa banda sonora do filme “As Horas”. Pese embora a sua música nos embale numa doce melodia, ela tem sempre um toque que nos faz torcer o corpo de estranheza. “Einstein on the Beach” eleva essa estranheza aos píncaros do electrizante. Não é uma ópera fácil de se ouvir principalmente para quem tem em si noções muito pré-estabelecidas do conceito standard de “ópera”. Não escolhi o adjectivo…
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“Flowers for Algernon” de Daniel Keyes
Não há muitos livros que eu aconselhe, sem receio, toda a gente a ler. Mas “Flowers For Algernon” é um deles sem dúvida alguma. Além de ser um livro magistralmente bem escrito, na minha opinião é impossível sair-se dele ileso. Algernon é um rato de laboratório que é submetido a uma cirurgia ao cérebro para aumentar o seu QI – na realidade depois de várias experiências noutros animais, é o primeiro no qual a cirurgia resulta. Charlie é um deficiente mental com um QI de 68 e o primeiro ser humano a ser submetido à mesma experiência depois dos resultados de sucesso obtidos com Algernon. Charlie é o escolhido porque,…
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“On The Road, the original scroll” de Jack Kerouac
“On The Road, the original scroll” tinha tudo para ser uma leitura maravilhosa e é por isso mesmo que ainda hoje não entendo porque não o foi. Tem todos os elementos que me fascinam: é auto-biográfico, não obedece a regras formais da literatura, parece escrito de um fôlego, numa corrida atrás das memórias para que elas não se diluam no irreal, sentimentos à flor da pele, personagens transtornadas, à procura delas mesmas, sem finais, muito menos felizes. O cenário idílico para me perder numa leitura que deveria ter sido arrebatadora, mas que ainda hoje não consigo descortinar o que foi para mim. Jack Kerouac nasceu em Massachusetts em 1922,…
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Todos os anos que te escrevo, parece que não estás cá!
dizes que és para todos, no entanto és-me mais impermeável que o maior guarda-chuva. guarda-vento. guarda-tenda. cata-vento. pára-brisas. pára-raios. raios te partam. clamas que seres é uma questão e por isso exiges que seja eu a responder por ti. não quero. cansei. sofri. chorei. pesei. também ri. despi. desnudei. senti. mas a que custo? achas que está sempre tudo bem. não há certo nem errado, mas minas-me a cabeça de egocentrismo. vão gostar? vão odiar. vão perceber? isso não se ouve lá de trás. porque é que me preocupa o que as outras pessoas pensam? quero tanto que gostem de mim. é o texto? é a cena? o ovo ou…
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Textos Dramáticos
Esta lista de textos teatrais não é exaustiva e está longe de ser a que julgo ideal, mas n’algum ponto temos de parar, por isso decidi deixar sugestões que atravessassem a história do teatro, desde a Grécia Antiga até aos nossos dias, destancando as obras mais importantes e, também, as que mais gostei, centrando-me no contemporâneo.Sei que não é fácil encontrar estas peças à venda, algumas delas não estão traduzidas para português, mas se quiserem alguma em específico, eu posso tentar ajudar. Se quiserem outras sugestões também, podem contactar-me. “Sete Contra Tebas” de Ésquilo “Hipólito” de Eurípides “Fedro” de Platão Gil Vicente é Gil Vicente! “Everyman” de Peter Van…
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“À espera de Moby Dick” de Nuno Amado
Enseada Pequena reentrância no traçado da linha de costa, em forma de arco, aberta ao mar, sendo normalmente limitada por dois promontórios. O termo deriva da palavra seio, em latim sinus que se refere a curva, ou dobra, à qual foi adicionado o prefixo in: in seius, enseada. Nuno Amado é licenciado em Psicologia Social e das Organizações e Psicologia Clínica e doutorado em Psicologia do Desenvolvimento. Exerce psicologia clínica e é professor no Instituto Superior de Educação e Ciências. Destaca-se em Portugal por ser pioneiro no estudo da Psicologia do Amor. “À Espera de Moby Dick” é o seu terceiro livro. Muitos de nós temos uma “baleia branca” e,…
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“Canário” de Rodrigo Guedes de Carvalho
“Canário” é o quarto livro que leio do jornalista e escritor português Rodrigo Guedes de Carvalho e, não me canso de dizer o quanto não consigo associar as duas figuras numa só. Por vezes dou comigo a vê-lo na televisão enquanto revejo mentalmente as leituras, e a duvidar que jornalista e autor sejam, de facto, a mesma pessoa. Sendo o quarto livro, o terceiro do qual faço apresentação, pouco me resta dizer sobre a sua escrita que não tenha referido já nos livros “A Casa Quieta” e “Daqui a Nada”, talvez que este seja um pouco mais “ordeiro” em relação à construção – uma das coisas que mais gosto em…




















